Não é nenhum furo de reportagem, mas é interessante a entrevista de Felipe Massa a revista Veja. O piloto fala sobre superstições, comparações com ídolos do passado, do relacionamento entre os pilotos e da estranha mania de usar a mesma cueca desde o GP Brasil 2006.
*A entrevista foi dada após o GP Mônaco, portanto, antes das etapas Canadá e França.
Fazia tempo que os torcedores brasileiros não tinham um piloto competitivo na Fórmula 1. O último brasileiro a sagrar-se campeão no esporte foi Ayrton Senna, em 1991. Desde que Felipe Massa passou a integrar a Ferrari, em 2006, essa história começou a mudar. Naquele ano, ele venceu os grandes prêmios de Istambul e Interlagos e terminou a temporada em terceiro lugar. Menos de dois anos depois, Felipe, de 27 anos, já é um dos favoritos ao título em uma das temporadas mais disputadas da F1, em que três outros pilotos têm chances de ganhar o campeonato. Numa passagem por São Paulo, o piloto, que vive em Mônaco, concedeu a VEJA.com a seguinte entrevista:
Veja – O que você espera desta temporada? Acha que este pode ser o seu ano?
Massa – Espero dar seqüência ao meu trabalho e, se tudo der certo, que ele me leve à realização do meu sonho de me tornar campeão de Fórmula 1. Mas não adianta fazer planos. Tenho que focar sempre na próxima corrida. Esse é o caminho, não tem outro.
Veja – Rubinho (Rubens Barrichello) sofria com o estresse gerado pela expectativa do público de que ele fosse um substituto do Ayrton Senna. As inevitáveis comparações com Senna também te assustam?
Massa – Simplesmente, não ligo. Aliás, não dou a mínima para qualquer comparação do gênero. Comparar pilotos de épocas diferentes é o mesmo que comparar jogadores de hoje com os da época do Pelé. Não tem nada a ver. Também já estou acostumado a lidar com a expectativa das pessoas. Até porque eu tenho de lidar duplamente com a expectativa. Corro para uma equipe italiana que é alvo uma pressão muito forte. Na Itália, se a Ferrari ganha, está apenas fazendo a obrigação. Se perde, é motivo para te atirarem pedras. Por outro lado, sou brasileiro, e também tenho a cobrança do Brasil, que me apóia, mas que quer um piloto com chances de vencer, um piloto campeão. Acho que isso faz parte do jogo e acho que consigo me sair bem, até porque já sofri muitas pressões depois de um resultado ruim e consegui ganhar uma corrida na semana seguinte, depois de duas semanas só sofrendo críticas
Veja – Como é ser o primeiro piloto brasileiro, desde Ayrton Senna, a ter condições reais de ser campeão de Fórmula 1?
Massa – Acho que não é bem assim. Não podemos esquecer as possibilidades que o Rubinho teve de ganhar e brigar pelo campeonato. Correu seis anos na Ferrari e foi duas vezes vice-campeão mundial. Às vezes as pessoas se esquecem do que ele fez. Para ser campeão, é preciso ter tudo a favor: ser o mais rápido, ser constante – fazendo pontos em todas as corridas – e ter a sorte de estar no lugar certo na hora certa. Se faltar um, talvez você não seja campeão.
Veja – No começo da temporada, quando você ainda não havia pontuado, a imprensa internacional dava como certo que você deixaria a Ferrari, depois da saída de Jean Todt do posto de diretor-executivo da escuderia. Chegou a ficar preocupado?
Massa – Não porque eu praticamente havia acabado de renovar meu contrato com a Ferrari até o fim de 2010. Além disso, eu sabia qual era o meu trabalho dentro da equipe e o que equipe pensava de mim. Sabia que numa semana poderia ser motivo de críticas, mas que na outra poderia vencer e acabar com isso, que foi o que aconteceu. Além disso, a Ferrari não contrata um piloto porque ele é amigo, porque o piloto é filho do presidente da empresa. Ela contrata porque acredita que ele tem capacidade de trazer resultados para a equipe – que é o objetivo final dela. Não fui contratado porque era bonzinho, gente boa, nem porque conhecia o Jean Todt, ou porque o filho dele é meu manager. Fui chamado porque demonstrei ter potencial de crescimento e de brigar por vitórias, que foi o que realmente aconteceu. Em dois anos de Ferrari, ganhei sete corridas, fiz 12 pole positions, já briguei pelo campeonato. Isso mostra que não estou lá porque conheço alguém, mas porque tenho condições de estar numa Ferrari. Acho que com tudo o que aconteceu, as pessoas finalmente enxergaram meu potencial.
Veja – Nesta fase de críticas, do começo do ano, Michael Schumacher o defendeu publicamente. Como é sua relação com ele?
Massa – Sempre o tive como um professor. Entrei novo na Ferrari, com uma experiência bem menor e me espelhei nele. Sempre tentei tirar o máximo, aprender o máximo sobre o jeito como ele trabalha sendo um líder dentro da equipe. Mesmo quando ele não me falava nada, eu estava observando o que ele fazia, volta a volta. Tudo isso me fez crescer bastante. Me ajudou a ter uma evolução muito rápida tanto como piloto quanto na parte técnica. Além disso, temos uma amizade. Sempre nos falamos por telefone. No ano passado ele veio participar da minha corrida de Kart em Florianópolis. Às vezes nos encontramos na Europa para jogar futebol.
Veja – Atualmente, dentro da Ferrari, existe um segundo piloto? É uma situação tensa em relação ao Kimi (Raikkonen, companheiro de escuderia) ou ele aceita bem o equilíbrio entre vocês?
Massa – Hoje em dia a Ferrari tem um modo de trabalhar totalmente voltado aos dois pilotos. Com os dois pilotos com condições iguais, andando juntos, fica difícil apontar aquele que terá mais chance. Eu e o Kimi estamos disputando um com o outro cada corrida, estamos separados no campeonato por um ponto. A equipe trabalha voltada aos dois pilotos e até usa essa rivalidade para crescer e melhorar como equipe. É claro que eu quero ganhar, assim como ele, mas prevalece o respeito pela equipe. Até porque se a gente começar a brigar, pode jogar muitos pontos fora e até perder o campeonato. No ano passado, os pilotos da McLaren se dividiram e acabaram perdendo o campeonato. Para mim, a situação na Ferrari é ideal: sou 100% respeitado dentro da equipe, e sinto que a empresa está fazendo de tudo para me ajudar, assim como para ajudar o Kimi.
Veja – Quem é o seu rival nesta temporada: Lewis Hamilton, Raikkonen ou Robert Kubica?Massa – Profissionalmente, eu diria que os três estão no mesmo nível. Neste momento, não dá para dizer quem é meu principal adversário, porque o campeonato está embolado como há muito tempo não ficava. No plano pessoal, me identifico mais com o Kubica. Ele é um cara legal, aberto, e neste ponto acho que se parece comigo.
Veja – Há espaço para a camaradagem na Fórmula 1? Você tem amigos entre os pilotos?
Massa – Tenho vários amigos, como o Rubinho, o Schumacher e... é, não tem muitos assim. Mas tenho boas relações, não tenho problemas com nenhum piloto. Mas acho que amizade, são poucos. Amizade é uma palavra muito forte para descrever essa boa relação. Apesar de a gente correr junto, a gente se vê muito pouco. Num treino, você trabalha ali o dia todo, mas não encontra os outros pilotos. Só na pista. E até num fim de semana de corrida, você vê os pilotos uma ou duas vezes, no fim de semana inteiro. Vê de longe. Não tem essa coisa de ficar todo mundo junto. O resto do tempo, cada um está focado na sua equipe trabalhando.
Veja – Qual é relação que um piloto profissional tem com a velocidade? Você ainda sente a adrenalina ou já se acostumou?
Massa – A adrenalina faz parte do meu trabalho. Não é que eu sinta medo. Cada vez que você entra na pista, você sabe o que está fazendo e está extremamente confortável no carro. A velocidade não assusta. O que dispara a adrenalina é entrar numa classificação e querer fazer aquela volta perfeita. É você se concentrar 100% e tirar tudo do carro. Chegar ao limite, nem mais nem menos. Isso te dá emoção. Uma corrida como a de Mônaco, na chuva, é adrenalina a cada volta. Qualquer fração de segundo que você errar, frear um pouquinho antes ou depois numa poça, é motivo para você bater e jogar pontos importantes no lixo. Não sinto medo de morrer nas pistas. No dia em que tiver medo de pilotar por medo de sofrer um acidente, não vou conseguir tirar o máximo do carro, não vou conseguir andar no limite e ser eficiente.
Veja – Você é ansioso? Chega a perder o sono antes de uma corrida?
Massa – Não. Posso até perder um pouco o sono de quinta para sexta, por vontade de iniciar logo o treino. Minha ansiedade é para começar logo a trabalhar. Mas não lembro de não ter dormido de um sábado para domingo por causa de uma corrida. O que acontece comigo é que fico tão focado na véspera, que muitas vezes minha mulher está falando comigo e eu não estou escutando o que ela diz, estou pensando em outra coisa. Às vezes eu até respondo, mas no automático, sem prestar atenção.
Veja – E quando está no carro, dá para pensar em outras coisas que não a corrida?
Massa – Uma vez, quando eu estava vencendo a corrida no Brasil, tinha vantagem bem ampla em relação a quem vinha atrás. Nessas situações é quando você tem mais chances de perder a atenção, porque você está guiando fácil. Às vezes eu passava pela reta e me distraía olhando para a arquibancada. Aí eu me lembrava e dizia: "não, não posso desviar meu foco". Porque eu poderia errar. Você pode perder a concentração pensando em coisas estúpidas. No GP do Bahrein, eu fiz a classificação inteira com a música da Ivete Sangalo na minha cabeça: "Poeira, poeira..." Eu não queria estar com aquela música na minha cabeça, mas ela não saía. São coisas extremamente estranhas que passam na cabeça de um piloto.
Veja – Em 2007, você repetia na corrida a mesma cueca com que foi bem no treino para dar sorte...
Massa – Até hoje uso a mesma cueca nas corridas, desde aquela época que ganhei o GP do Brasil. É a mesma, coitadinha da cueca. Já perdeu até as pregas do lado. Aquela cueca é a número 1. Está até escrito nela: BR 1. Mas eu lavo.
Veja – E que outras superstições você tem?
Massa – Tenho várias. Sempre entro no carro pelo lado esquerdo. A luva e a sapatilha de corrida eu coloco sempre a peça do lado direito antes. Tenho uma calça jeans da sorte e um tênis que uso sempre. Se um dia deu tudo certinho, e fiquei em primeiro, tento lembrar tudo que fiz naquele dia para fazer igual. Por exemplo, acordar e sair da cama com o pé direito. Vou para o banheiro e me pergunto por que lado eu tinha começado a escovar o dente. Comecei pelo lado direito? Então tento começar igual. Mas não me desgasta. É automático.
Veja – É verdade que você fazia bicos no autódromo de Interlagos para ficar mais próximo dos pilotos?
Massa – Estreei na Fórmula 1 em 2002. Em 2001, no ano anterior, trabalhei como piloto do carro de intervenção no Grande Prêmio do Brasil. Ficava numa curva da pista com três médicos para atender as emergências. Em 1999, trabalhei como entregador de comida. O empresário que me ajudava na época, tem restaurantes em São Paulo e forneceu a comida da equipe Bennetton. Ele fazia as compras e mandava entregar para o cozinheiro da equipe. Como eu não tinha credencial para circular em Interlagos, vi naquilo a oportunidade de ter acesso ao autódromo. Com isso, terça, quarta, quinta e sexta eu fui para a pista, circulei nos boxes, vi como eram os carros, a equipe. Mas o jeito de eu entrar era carregando caixas de macarrão, bananas, batatas. Um dia, eu virei para o cozinheiro da Bennetton e disse: "Quem sabe um dia ainda não nos reencontramos?" Ele deu risada. E hoje ele é o cozinheiro da Ferrari. Quando entrei na Fórmula 1, fui até ele e perguntei se ele se lembrava de mim. Quando eu disse para ele que eu era aquele menino da comida, de Interlagos, ele quase teve um troço.
Veja – Quem são seus ídolos na Fórmula 1? O que você procura copiar deles?
Massa – Ayrton Senna foi ídolo de todos nós pela sua dedicação, pelo que fazia nas pistas. Sempre enxerguei Senna e Schumacher como pilotos diferenciados. Pilotos que eram completos, que tinham tudo junto. Às vezes, você vê um piloto extremamente talentoso, mas que não tem a habilidade técnica. Há outros com menos talento, mas extremamente dedicados à parte física e técnica. É difícil encontrar um piloto que reúna tudo, como os dois. Se eu conseguir ser um Senna nas corridas de classificação, e um Schumacher no GP, não perco nunca mais.
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