terça-feira, 24 de março de 2009

Pré-2009: As Grandes Damas

Conceitos e rivalidades são próprios do esporte, especialmente os de massa, que possuem longo alcance no mundo inteiro. A idéia que o pensamento coletivo forma sobre determinada agremiação ou desportista e a rivalidade criada através dos anos pelas disputas históricas são das coisas mais saborosas para se apreciar numa competição. Na F-1, conceitos sobre pilotos são altamente mutáveis. Tanto que diz-se que “um cara é tão bom quanto sua performance na última corrida.” Já entre as equipes, as rivalidades atravessam décadas, e quem é considerada “grande” precisa de um tempo para deixar de figurar entre as favoritas.

O histórico da F-1 construiu e demoliu ícones através das décadas, pela própria dinâmica que a política da categoria adquiriu. Equipes subiram, conheceram a glória, mas não conseguiram fôlego para resistir. Lotus, Tyrrel, Brabham e tantas outras são lembranças do passado da F-1. No grid atual apenas Ferrari, Williams e McLaren ostentam um histórico que lhes possibilite o rótulo de “equipes tradicionais”, apesar de a Williams há muito tempo não figurar entre as equipes favoritas.

As duas grandes damas, no final das contas, são Ferrari e McLaren. São as duas únicas que atravessaram décadas e enfrentaram períodos de jejum consideráveis, mas se mantiveram firmes a ponto de ainda serem competitivas. Não é por coincidência que exista entre esses dois times a maior rivalidade da F-1 atual. Eles lideram a maioria das estatísticas dos times e protagonizaram, nos últimos dois anos, disputas interessantíssimas pelo título. O acirramento da rivalidade ocorreu em 2007, com o célebre caso de espionagem pelo qual a McLaren foi considerada culpada. Depois disso, no entanto, a rivalidade entre os dois times parece ter encontrado uma fase mais madura.

Nesses dois anos, as duas equipes se confirmaram como as dominadoras, mesmo com o eventual avanço de uma BMW ou uma Renault correndo por fora. A prova da força psicológica de McLaren e Ferrari é tal que, mesmo não sendo as mais rápidas nos testes, as equipes titãs não são desconsideradas, o que é uma verdadeira surpresa, sobretudo, no caso da McLaren, que realmente andou mal nos testes de inverno. Seus pilotos também se mostraram mais fortes e amadurecidos a cada ano, exceto, logicamente, no caso de Heikki Kovalainen. Depois de serem as atrizes principais de dois campeonatos divertidos e levemente atrapalhados, Ferrari e McLaren terão em 2009 o ano das conclusões sobre o real valor de cada uma.

Quando se fala em Ferrari, há consenso: a equipe italiana possui a dupla mais forte do grid. Os dois pilotos de Maranello protagonizaram, cada um, uma disputa de título nos últimos dois mundiais. Apenas Kimi Raikkonen sagrou-se campeão. Desvantagem para Felipe Massa? Nem sempre. Há derrotas que seguramente podem ser mais redentoras do que êxitos e é essa noção de pesos e medidas diferentes que deixa Felipe em patamar de igualdade perante Kimi. Se Raikkonen tem a seu favor um título, Massa apresenta a imagem de um piloto dedicado, comprometido com a equipe, ciente do espírito coletivo que tanto agrada aos italianos. O maior veículo de propaganda de Massa como homem de equipe é seu próprio currículo: abriu mão da vitória em Interlagos em 2007 pensando no time, e tornou-se, portanto, fundamental na conquista de Raikkonen; ressurgiu das cinzas em 2008, depois de sofrer com a pressão pelos abandonos nas duas primeiras provas e mostrou força mental suficiente para passar de zebra a favorito. A guinada de Massa lhe proporcionou uma incrível ascensão na bolsa de apostas da F-1. Seu nome hoje é tão cotado quanto o de Lewis Hamilton, o atual campeão, e boa parte do reconhecimento de Felipe se deve à sua postura em 2008, ocasião em que o brasileiro não desistiu de acreditar no título em nenhum momento, mesmo contra todas as possibilidades.

O nome de Massa não é mais questionado dentro de Maranello e goza de um status extremamente alto no interior da fábrica das rossas.

Já Kimi Raikkonen terá seu ano decisivo. 2009 é o ano do vestibular do finlandês e, nessa prova, não parece haver suplência. Raikkonen já queimou suas balls com o fraco desempenho em 2008. Poucas vezes viu-se um campeão em exercício tão apático. Kimi já admitiu o apagão e parece se esforçar para melhorar seu desempenho. Parou de beber e perdeu peso, dando sinais de maior comprometimento com o trabalho. Mas isso é pouco para um piloto da Ferrari.

Por carregar consigo a identidade de um país, a equipe italiana é seguida como uma religião entre os habitantes da península itálica. Há pressão por todos os lados. Implacável e sufocante pressão movida pela torcida e alimentada pela imprensa, sempre disposta a se precipitar e cobrar mais empenho dos pilotos ao menor sinal de desinteresse. Nesse ponto a personalidade de Raikkonen já é uma bola fora. O nórdico já declarou não ter paciência para as obrigações comerciais, que no caso da Ferrari, equipe mais visada do grid, são rotineiras. Raikkonen é calado e não gosta de entrevistas. Curte badalação, mas não a do tapete vermelho, reservada às grandes estrelas, e sim a das boates regadas a bebedeiras e loiras vertiginosas. Seu comportamento é, muitas vezes, visto pelo expansivo torcedor italiano como negligente e desinteressado. Pilotos assim não costumam durar na mais rubra das equipes, mas a permanência de Raikkonen e a renovação de seu contrato até 2010 indicam que a cúpula da Ferrari confia no talento de Kimi, mesmo tendo a nítida noção de que o campeão de 2007 é um piloto que flutua rapidamente entre bons e maus momentos.

Enquanto equipe, a Ferrari também tem muito o que provar em 2009. É consensual a idéia de que quem derrotou Felipe Massa no ano passado não foi apenas Hamilton, mas também, e em grande proporção, a equipe do brasileiro. Erros motivados pela falta de liderança conseguiram fazer com que a equipe perdesse toda a vantagem que o F-2008 apresentou no início do ano. A Ferrari tinha o melhor carro do grid, mas sucumbiu à própria desorganização. Os italianos precisam provar que conseguem manter o mesmo nível de profissionalismo e confiabilidade dos anos Schumacher, mesmo sem o alemão por perto.

A McLaren começa o ano com o piloto campeão. Lewis Hamilton finalmente chegou lá, apesar de não feito em 2008 um ano tão bom quanto em 2007. Lewis se mostrou tão atrapalhado como em sua temporada de estréia, apesar do enorme e indiscutível talento. O inglês ainda precisa de polimento, especialmente na hora de disputar posições. Nessas horas fica explícito o afobamento do campeão e as manobras decididas no calor da emoção acabam descambando para as odiosas punições (nesses casos, em particular, há também de se lembrar da atual tendência de assepsia que rege a mente do comissários de pista e os leva a punir com rigor excessivo). Hamilton também sofre com a célebre falta de estrutura e de força mental que ficaram conhecidas no final da temporada 2007.

No entanto seu nome não encontra barreiras dentro da McLaren. Apadrinhado pelo chefão Ron Dennis, Hamilton é prioridade total na equipe de Woking. O inglês que já provou ser bom em acelerar as baratas motorizadas, parece ter uma atividade extra em 2009: desenvolver um carro que dá sinais de não ter nascido no melhor berço. O MP4/24 que a McLaren usará em 2009 causou má impressão na pré-temporada, apresentando problemas e relegando a equipe aos últimos lugares na lista de tempos. É a hora de ver se o menino Lewis evoluiu a ponto de ser considerado um piloto com razoável conhecimento técnico para melhorar um modelo durante o ano.

Mesmo não começando o ano como favorita, como até já foi admitido por Nobert Haug, integrante ao alto escalão do time, a McLaren jamais pode ser desconsiderada. O know-how da equipe é relevante graças à experiência de seu corpo técnico. É time para crescer durante a temporada, especialmente depois do que foi apresentado em 2008: a McLaren esteve impecável, oferecendo, quase sempre, estratégias e trabalhos de boxes infalíveis a seus pilotos. Enquanto equipe, parece ser a melhor do paddock. É a hora de confirmar de vez a qualidade e a capacidade de reação de seu elenco.

E a equipe de Woking ainda conta com uma tremenda vantagem perante a maior rival: a dupla de pilotos da McLaren é claramente díspar. Hamilton, além de ser melhor piloto do que Kovalainen, não sofre com um companheiro birrento e/ou carente de atenção. Kovalainen parece saber muito bem o seu lugar e o seu papel em Woking. É, talvez a maior vantagem da equipe. Enquanto Massa e Raikkonen dividem as atenções e travam uma espécie de guerra fria pela preferência da equipe, Hamilton já começa o ano com as atenções voltadas para si. É o sonho de todo piloto.

As grandes damas vão começar a duelar. Alguém arrisca uma aposta?

4 comentários:

Willian Freitas disse...

Apostaria minhas fichas na Ferrari.

Diego Maulana disse...

Aposto na Ferrari, pois ela tem hoje um carro melhor. Lewis e Heikki vão sofrer um pouco para levar a McLaren ao topo novamente, e essa é a desvantagem da equipe de Woking. Já a Ferrari, tem uma grande dupla de pilotos e se não se atrapalhar de novo, tem tudo para levar os dois campeonatos esse ano.

Grande texto Fábio.

Ron Groo disse...

Texto maravilhoso.
Só que este ano em particular não dá pra saber se vai mesmo haver duelo entre as duas equipes.
`Podemos até ter uma novatissíma brigando.
To ansioso.

Fábio Andrade disse...

Freitas: entre as duas, eu tmb acho que a Ferrari está mais bem preparada. O F-60 seguramente é mais carro do que o MP4/24. Mesmo assim, as duas parecem que vão brigar apenas por pontos nesse começo;

Maulana: acho que todo mundo vai ter que sambar miudinho depois disso tudo que a BGP fez. As grandes vão precisar de poder de reação;

Groo: eu ainda aposto no crescimento delas durante o ano, cara. Equipes dessa envergadura não ficam apáticas perante maus resultados.