domingo, 5 de abril de 2009

Malásia - Results & Coments [2]

Que tal uma aula de geografia?

A geografia tem vivido, ultimamente, uma subida em seu nível de exigência no Brasil. Por ser uma disciplina global e por se comunicar com várias outras como biologia, física, matemática, química e história a matéria que estuda o planeta Terra está sendo cada vez mais exigida nos vestibulares e também no ENEM (que aspira a se tornar o substituto da 1ª fase dos exames brasileiros, nivelando por baixo a qualidade dos candidatos. Mas eu nem sei porque falo disso aqui no De Olho). Pela sua natureza multifacetada, a geografia mudou muito de cara nos últimos 30 anos, passando a ser, por vezes, um apêndice da História Geral e englobando áreas de conhecimento como economia e relações humanas. Entenda bem a geografia que se aplica hoje nas escolas (pelo menos nas boas) brasileiras e você entenderá boa parte do mundo atual e, conseqüentemente, a história recente do planeta.

A história e a geografia ocupam algumas de suas páginas discorrendo sobre o eurocentrismo, característica da sociedade ocidental de usar a ótica européia e de privilegiar o Velho Continente como centro do mundo civilizado. Irei me alongar se for discorrer sobre isso, a começar pela influência que a Europa exerce sobre um país que fala português, é predominantemente católico, acha-se branco, e adora F-1, categoria típica e irremediavelmente européia. Sem tocar no fato de sermos os reis do futebol, esporte nascido na Inglaterra de fins do século XIX.

Pois bem. Além disso, a geografia tradicional divide o mundo em grandes zonas térmicas: tropicais, localizadas nas baixas latitudes; temperadas, encontradas em latitudes médias; e polares, as de mais altas latitudes. Interessam à F-1 as zonas tropicais e temperadas, as únicas onde corridas são possíveis. Interessa ao GP Malásia, de forma específica, a zona tropical.

A Malásia, pequeno tigre asiático localizado praticamente no extremo oriente, é um país de clima tropical equatorial, denominação empregada justamente pelo fato de o país estar muito próximo à linha do Equador. O que isso que dizer? É que além de registrar altas temperaturas durante todo o ano, o clima malaio é predominantemente úmido. Zonas equatoriais são locais que registram as maiores taxas de evapotranspiração vegetal de que se tem notícia, fazendo com que a umidade presente no ar atinja níveis próximos de causar desconforto. No final da tarde, com a queda da temperatura, a umidade presente no ar tende a condensar e chuvas regulares e fortes caem todos os dias em locais sob a regência desse tipo climático.
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A aula de geografia básica desse domingo vai para Bernie Ecclestone. Não era difícil para o dirigente comercial da F-1 perceber que marcar uma largada para as 17 horas locais era um risco. Chove constantemente nos fins de tarde malaios, como nos fins de tarde do norte do Brasil. A equação benefício-risco era das mais fáceis: “corrida nesse horário terá a grande possibilidade de chuva. Chuva forte pode paralisar a corrida. Corrida paralisada por muito tempo tornar-se-á inviável, pois no momento em que a relargada for possibilitada em razão da estiagem, o Sol já estará se despedindo.” Só Ecclestone não pensou nisso.

O relativo benefício do parágrafo acima também é contestável. A prova foi marcada para as 5 da tarde na Malásia para que a Europa Ocidental a visse no meio da manhã. A idéia era poupar o europeus de acordar um pouco mais cedo e garantir a audiência. Mas será que vale mesmo a pena marcar uma corrida nesse horário para completar pouco mais da metade de quilometragem prevista? Além disso, a medida da FIA/FOM se mostra um tanto incoerente porque quem gosta mesmo de F-1 segue a categoria na hora que for, seja de manhã, de noite ou de madrugada. Audiência não faltará. Não é isso o que fazemos aqui no Brasil?

Mas quem disse que o Brasil importa? Quem disse que a Malásia importa? O que importa é a Europa, afinal, somos eurocêntricos por natureza. Danem-se os nativos asiáticos que desembolsaram uma nota para ver uma corrida pela metade. O que vale a pena é mostrar metade de uma corrida para os falantes dos idiomas francês, italiano, inglês, espanhol e português, além dos nórdicos que habitam aquela porção de terra que costumeiramente ocupa o centro do mapas-múndi.

Não foi a primeira (e provavelmente não será a última) vez que o lado mercadológico prevaleceu sobre o bom senso na F-1. Os donos do circo continuam a fazer trapalhadas. Dessa vez por não freqüentarem as aulas de geografia.

Mas, e a corrida, hein?

Apesar de tudo, houve corrida. Foram 31 boas voltas que serviram para confirmar algumas impressões que Melbourne não atestara totalmente: a F-1 de 2009 se parecerá com o kart, com adversários se enfrentando curva após curva, passando e repassando o oponente; o KERS faz uma senhora diferença, especialmente na largada, mas não é o suficiente para fazer uma boa corrida se o carro não tiver rendimento, que o diga Fernando Alonso; a Ferrari continua patinando na estratégia, trocando os pneus na hora errada e calçando os pneus errados em seus pilotos. O time italiano continua no zero, com duas corridas já completadas.



Houve mais corrida do que isso. A má largada de Button facilitou as coisas para Nico Rosberg, que passou a liderar o primeiro “terço” da corrida malaia. No meio do pelotão, Fernando Alonso catalisava as brigas, digladiando-se principalmente com Kimi Raikkonen. Vindos do fundo, Felipe Massa e Lewis Hamilton não conseguiam grande desempenho, mesmo equipados com o KERS, sinal de que o dispositivo não é tão essencial às ultrapassagens como é na partida das corridas.

No momento das paradas, Rosberg, o mais leve da frente, foi o primeiro a entrar, seguido rapidamente por Trulli. Caminho aberto para que Jenson Button, à Schumacher, fizesse voltas incrivelmente rápidas, parasse e voltasse em 1º. Coincidentemente era a hora em que os chuviscos começavam a cair, e quase todo mundo optou por equipar-se com pneus de chuva forte, apesar do sereno ameno que apenas se insinuava em Sepang. Começava a crazy race equatorial.

Timo Glock, logo ele, o teimoso dos pneus errados que proporcionou o fim de corrida epilético no último GP Brasil, foi o único a dar a uma bola dentro e escolher os pneus intermediários para o início da chuva. A decisão lhe catapultou do 8º para o 2º lugar. Continuasse a chuva naquele ritmo, e Glock era favorito a vencer a corrida. Mas a geografia malaia não falha: em pouco tempo o que era chuvisco transformou-se em torrencial tempestade, das mais impressionantes de toda a F-1, e a corrida ganhava contornos ainda mais pitorescos. Quem já havia parado para calçar pneus de chuva e voltado para equipar-se com intermediários, precisava retornar de novo aos boxes para optar pelos compostos mais sulcados. E no vai-e-vem dos boxes, Nick Heidfeld pulou na 2ª posição instantes antes de a corrida ser interrompida por absoluta falta de condições.



Daí em diante a corrida acabou, e tudo de interessante que ocorrera até ali estava para ser afogado pela ignorância geográfica de Ecclestone e CIA. A câmera onboard de Rubens Barrichello deixava clara a completa ausência de visibilidade. As rodadas de Vettel e Hamilton, em baixa velocidade, assinalavam a total impossibilidade de o GP Malásia prosseguir. A imagem de Kimi Raikkonen “navegando” o F-60 no circuito repleto de água foi sintomática. Bandeira vermelha acionada, corrida interrompida com pouco menos de uma hora de atividades completadas.

Seguiram-se 50 minutos de jogo político. A FIA dava claros sinais de que a prova seria reiniciada, mesmo com muita água na pista e com o Sol emitindo seus últimos raios, tornando o traçado de Sepang uma potencial roleta russa. Em caso de relargada, seria impossível para os pilotos enxergar, visto que o spray seria intenso e a luz solar já estava reduzia. Os pilotos, representados por Mark Webber, começavam a se indispor com a tentativa da federação de retomar a prova, dada a ausência de condições de segurança. Alonso, Piquet e Raikkonen foram os primeiros a deixar claro que o reinício da corrida não seria muito apreciado. Ao final da longa espera, créditos anunciaram ao mundo, via tv, que a relargada estava cancelada e que o GP Malásia estava terminado.

Em casos de interrupção da corrida, o regulamento é claro: se já estiverem concluídos ¾ da prova, a distribuição de pontos é feita normalmente. Se não, como no caso de hoje, os pilotos classificados do 1º ao 8º lugar recebem metade da pontuação usual. A corrida de hoje marca a volta do ponto “quebrado” depois de quase 20 anos.

Venceram os pilotos, que já haviam demonstrado apreensão com o horário da corrida e a possibilidade chuva. Eles parecem entender mais de geografia do que os dirigentes, que insistem em apenas olhar a F-1 sob a ótica mercadológica. Ela é importante, é claro, mas não é o único meio necessário para organizar uma corrida. Bom senso ainda é requisito essencial a qualquer atividade, e o comando da F-1 parece ter perdido essa característica adorável ao longo dos anos. O que a F-1 conseguiu hoje na Malásia foi matar por afogamento uma corrida que se desenhava interessante. O dilúvio maior que assola a categoria continua a ser o da incompetência.


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GP Malásia, após 31 voltas:


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1. Jenson Button (Brawn), 55min30s622
2. Nick Heidfeld (BMW), a 22s722
3. Timo Glock (Toyota), a 23s513
4. Jarno Trulli (Toyota), a 46s173
5. Rubens Barrichello (Brawn), a 47s360
6. Mark Webber (Red Bull), a 52s333
7. Lewis Hamilton (McLaren), a 1min00s733
8. Nico Rosberg (Williams), a 1min11s576
9. Felipe Massa (Ferrari), a 1min16s932
10. Sébastien Bourdais (Toro Rosso), a 1min42s164
11. Fernando Alonso (Renault), a 1min49s422
12. Kazuki Nakajima (Williams), a 1min56s130
13. Nelsinho Piquet (Renault), a 1min56s713
14. Kimi Raikkonen (Ferrari), a 2min22s841
15. Sebastian Vettel (Red Bull), a 1 volta
16. Sébastien Buemi (Toro Rosso), a 1 volta
17. Adrian Sutil (Force India), a 1 volta
18. Giancarlo Fisichella (ITAForce India), a 2 voltas
19. Heikki Kovalainen (McLaren), a 31 voltas
20. Robert Kubica, (BMW), a 31 voltas

8 comentários:

Bruno Aleixo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Bruno Aleixo disse...

E será que Rubinho vira segundo piloto de novo? Se não ganhar a próxima, já era.

Daniel Médici disse...

"poupar o europeus de acordar um pouco mais cedo e garantir a audiência".

Você publicou primeiro, logo eu te citei. Involuntariamente, mas não vem ao caso.

De qualquer forma, sempre desconfiei que é difícil que ingleses entendam que, em certos lugares, a chuva tem hora certa para chover...

Net Esportes disse...

11h na França, 10h em Londres..... vamos supor apenas uma hora antes.... 16h locais e 10h na França e 9h na Inglaterra..... pelas minhas contas daria certinho.... e que público eles querem atingir, quem é fã acorda 9h tranquilamente..... até 8h acho daria uma boa audiência, colocar 17h é um absurdo extremo, mesmo sem chuva, como na Austrália, é ruim... o sol vai baixando e deve dificultar também a visão... mas enfim, espero que mudem essa idéia que foi péssima.....

Felipão disse...

Concordo com vcs. Só que eles não querem só atingir os fãs e sim aquela massa que fica zapeando pelos canais, garantindo aqueles números que vemos no final do ano... Prova tal é a segunda maior audiencia de transmissoes esportivas e tal...

Marcos Antonio disse...

é a Fia adora aparecer mais que os pilotos. A mini corrida foi boa, bem disputava e muito crazy por causa da chuva. Será que Ecclestone manteve esse horário porque achou que a chuva traria mais emoção a prova?

OBS: Pela sua aula de geografia, você é Nerd que nem o Bourdais!hehehehe

Ron Groo disse...

A unica geografia que contou neste GP meu caro olho chefe, foi a geografia das bestas inumanas que regem o nosso esporte predileto.
Foi como marcar uma corrida na China no local e a epoca das Monções. Era batata que iria chover. Questão apenas de "quando", como disse tão bem o nobre Daniel Médice.
Texto de folego este hein?

Fábio Andrade disse...

Aleixo: definitivamente, Barrica entra pressionado no GP China. E depois não vai adiantar ficar dando desculpas e tentando se explicar;

Médici: pra quem vem de um lugar em que a chuva é praticamente uma instutição, realmente, é compreensilvel. Mas geografia é uma disciplina simples. Bastava um pouco de estudo;

Net/Felipão: o mercado se sobrepôs de forma definitiva. Não demonizo a necessidade de se adequar ao consumidor, mas tudo precisa de bom senso. Ficou claro que a organização não agiu com esse predicado;

Marcão: qual é, pô?! Eu NERD?

Não, e por duas coisas: primeiro, geografia é muito fácil, e é por isso que gosto. Segundo, sou aluno de humanas. Vc já viu aluno de humanas nerd? Aluno de humanas não quer nada. Deixa o nerdismo pro pessoal da exatas, rs!

Groo: aham. Os caras passaram de ano colando, hehe! O pior foi o Ecclestone falando que não tem planos de alterar o horário da corrida malaia =/