Acusem o campeão de 2007 do que quiserem: instável, talvez desinteressado, um tanto quanto distante em termos de torcida. Só não digam que o cara não possui personalidade. Raikkonen é, no poço de idéias por vezes enganosas e dissimuladas que é a F-1, um cara irremediavelmente autêntico. As vezes acaba ferindo o ego de quem prefere fazer cena. Esse tipo de atitude não existe com o nórdico. Quando entrevistado, Kimi costuma dar nomes aos bois e indicar falhas com uma tranqüilidade e honestidade incomuns. Raikkonen, aliás, é um dos poucos com personalidade suficiente para deixar claro que não gosta de microfones e não suporta a falsa badalação que rodeia a categoria máxima. O ferrarista carrega consigo um quê de Nelson Piquet, sem a irreverência do tricampeão, mas com um senso individual bem delineado que o difere da maioria dos pilotos na hora de agir e de dar declarações perante o público.
No último domingo, entretanto, Raikkonen nem precisou abrir a boca. Saiu do carro, tirou o macacão, e deliciou-se com um picolé. A sobremesa bem que poderia ser uma banana, numa mensagem subliminar enviada ao QG da Ferrari, que destruiu sua corrida. Mas um picolé também carrega alguns significados: o homem de gelo continua mais gelado do que nunca.
A cena remeteu a uma F-1 romântica, quando os pilotos ainda tinham alguma liberdade para agir por conta própria, para se indispor a correr em lugares que julgavam sem segurança, livres da tendência de serem tratados como gado ou massa de manobra. Talvez a imagem de Raikkonen, campeão, integrante da rubra e onipotente Ferrari, ainda não tenha sido avaliada em toda a sua grandeza: foi a maior demonstração de personalidade individual de um piloto em décadas! O cara negou-se a correr, mesmo sendo representante da equipe mais tradicional e cheia de pompa e blábláblá do paddock. Enquanto todo mundo permanecia no grid esperando pelo hipotético reinício da corrida, brigando por migalhas de pontos, Kimi enviava um Magnun de chocolate a todos: “eu não me arrisco por pouca coisa.” Simples assim.
Raikkonen não é uma liderança influente na GPDA, a Associação dos Pilotos de Grande Prêmio. O finlandês sequer expõe interesse em ser um dos guardiões da segurança nas pistas. Mas seu picolé e seu bermudão fizeram mais pelos pilotos do que o HANS (o tal Head and Neck Support, surgido no início da década para evitar o chacoalhar excessivo da cabeça dos pilotos em caso de colisões) ou a reforma de Hockenheim. Kimi Raikkonen, com um lúdico picolé, lembrou aos volantes da F-1 que ainda é possível se indispor com a categoria. Basta estar “nem aí” e manter-se gelado como um picolé, mesmo sob o calor malaio.
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A indiferença com a qual Raikkonen encarou o GP Malásia foi, sob uma das óticas, um protesto mudo contra as pixotadas da Ferrari. Equipar o carro do finlandês com pneus biscoito com o asfalto seco foi das maiores demonstrações de amadorismo dos últimos tempos. E logo na Ferrari, equipe que se notabilizou por ser uma papadora de vitórias profissional nos últimos anos. O pior é o boato que corre na imprensa alemã: quem teria sugerido a instalação dos pneus de chuva extrema no carro de Kimi? O heptacampeão e símbolo maior da reconstrução vermelha, Michael Schumacher! Se o rumor foi verdadeiro, fica no ar a pergunta: por que o alemão se intromete em estratégias de corrida? Seu cargo de “consultor” lhe fornece autoridade para tal função?
Eis a chave do problema de Maranello. O desmantelamento do dream team que botava ordem no galinheiro italiano (Rory Byrne, Ross Brawn, Jean Todt e CIA) nos últimos anos custou caro. A equipe se viu, de uma hora para outra, sem liderança. E num cenário desses sobram caciques para comandar poucos índios. O time começa a bater cabeça sem a presença de um macho alfa para subjugar os outros. Stefano Domenicali já deixou clara a inaptidão para ser o capo da máfia rubra ferrarista. E sem um líder personalista, os italianos já mostraram que são capazes de se anular, como os anos 80 e 90, com o gradual afastamento de Enzo Ferrari, exemplificaram bem.
O cavalo rampante, antes impecavelmente adestrado, começa a perder o rumo...
10 comentários:
A Ferrari criticou Kimi Raikkonen por sua postura "nem aí" no ano passado. Agora é a hora de Kimi criticar a equipe, por sua postura "mega incompetência". E agora, estão colocando a culpa em Schumacher. Fácil né?
A Ferrari é uma equipe italiana. Imagine um almoço de domingo de uma família italiana. Assim é a reunião da ferrari. Quando o Todt e Brawn estavam punham ordem na cozinha, mas agora...
O Raikkonen é muito engraçado, nem aí pra nada. Não sou contra esta postura dele, fez muito bem em não querer correr numa pista daquelas, antes mesmo da decisão oficial. Será que a ordem veio do alemão...rsrs.
Abraço!
Leandro Montianele
Fábio, me desculpe ter sumido, mas ando meio atolado com o novo trabalho.
Leandro Montianele
Eu costumo chamar ele de bunda mole, mas tenho de admitir que desta vez ele mandou bem. É o ultimo representante dos pilotos com pensamento livre.
Domenicali não me parece mesmo a pessoa mais indicada para comandar a equipe. Não importa quem fez a estratégia, ele simplesmente deveria ter vetado. A Ferrari conseguiu perder o título de pilotos no ano passado e ganhou injustamete o de construores, graças aos seus pilotos. Salva pelo gongo da incoerência!
Mas neste ano a situação é ainda pior, carro não é mais o mais forte. Domenicali vai dar a volta por cima? Duvido muito...
Estão dando um significado além do real para essa atitude despojada de Raikkonen.
Ele não saiu do carro pq não queria correr naquelas condições, e sim pq, efetivamente, o Kers do carro número 4 deu problema e impediria, de qualquer forma, que o finalndês voltasse à pista.
Isso não tira o simbolismo do ato dele (que, creio, ele nem quis esclarecer) mas fato é que o carro NÃO ANDARIA, mesmo que ele estivesse tomando chuva no grid como todos os outros.
Raikkonen talvez seja sim o último piloto moicano no meio de tantos cara-pálidas, mas ele realmente não está se fazendo respeitar com suas performances abaixo da expectativa desde meados do ano passado.
A batata nórdica do Homem-de-Gelo está assando... ou seria congelando?
hehehe
tem até uma versão trauzida rolando no youtube...
Raikkonen é hilário... sempre motivo de boas risadas...
Boa Dan, só bem depois fui ficar sabendo que o Raikkonen abandonou pq tinha um defeito no KERS.
Mas é como você mesmo reiterou: não tira o divertido significado do ato dele. Só o Kimi ou talvez o Vettel ainda representem alguma personalidade nessa Fórumla-Igual.
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