Vettel, talento nato ao qual esse blogueiro já prestou as devidas referências aqui, já vetou qualquer comparação com Schumacher. À época de sua épica vitória no GP Itália do ano passado, a imprensa alemã se apressou em chamá-lo de “Baby-Schumacher”. A reação era até esperada, afinal, Schumacher deixou de ser uma realidade da F-1 há apenas 2 anos e meio. Sua presença ainda é parâmetro e ainda ecoa pela F-1, mesmo que a atual geração já tenha enterrado sua herança de corridas vencidas com a desconcertante facilidade que a dobradinha equipamento flagrantemente superior + talento pessoal lhe proporcionava. Vettel, de forma madura, assim como é seu rendimento na pista, negou-se a comparar-se com Schumacher. Atitude digna, inclusive para livrar-se de uma injusta e precoce comparação.
Mas Vettel guarda lá suas semelhanças com o alemão papa-títulos. E até quando não é tão semelhante assim, o alemãozinho dá um jeito de traçar um paralelo com o alemãozão.
A começar pelo começo, que é, enfim, por onde se deve começar tudo. Ambos chegaram à F-1 pela porta de trás. Schumacher em apenas uma corrida já impressionou. Na verdade, apenas uma sessão classificatória foi suficiente para que a F-1 se alarmasse com o germânico queixudo que substituía o então encarcerado Bertrand Gachot. No sábado do GP Bélgica de 1991, Schumacher cravou o 7º tempo a bordo da fraca Jordan, ficando atrás apenas de pilotos consagrados como Ayrton Senna, Alain Prost, Nigel Mansell, Nelson Piquet, Jean Alesi e Gerhard Berger. Tudo isso em sua primeira experiência oficial num carro de Fórmula-1.
No domingo, Schumi mal conseguiu andar na pista de Spa-Francorchamps, abandonando na reta Kemmel, logo após a largada. Sua condução no treino classificatório de sábado, porém, lhe valeu a imediata transferência para a Benetton, ainda em 1991.
Vettel também começou a chamar atenção num treino: na sexta-feira do GP Turquia de 2006, Sebastian foi o mais rápido do dia de atividades extra-oficiais, correndo pela BMW. No ano seguinte o alemão participou de um fim de semana inteiro, no GP EUA, substituindo Robert Kubica, que sofrera um violento acidente durante o GP Canadá na semana anterior. Nessa corrida, Vettel tornou-se o mais jovem piloto a pontuar em toda a história, cruzando a meta no 8º lugar, aos 19 anos, 11 meses e 14 dias.
Ambos, Schumacher e Vettel, entraram de forma definitiva na F-1 para substituir pilotos envolvidos em confusões. Em 91, Schumacher substituía o belga Bertrand Gachot, envolvido num processo jurídico em Londres. Uma briga de trânsito na capital inglesa, envolvendo Gachot e um motorista de táxi, culminou num processo de agressão física movido pelo taxista. Ao final, Gachot encontrava-se condenado a passar 6 meses preso na Inglaterra, deixando no vácuo a vaga que seria ocupada por Schumacher na Jordan.
Vettel aportou como piloto titular na Toro Rosso ocupando a vaga disponibilizada pelo americano Scott Speed. E a saída de Speed da STR foi precedida por uma grande confusão. O americano alegava falta de interesse de Franz Tost, um dos chefes da equipe, em manter a dupla de pilotos. Tost, por sua vez, reclamava dos maus resultados de Speed e de Vitantônio Liuzzi. O ápice da insatisfação ocorreu após Speed abandonar o GP Europa de 2007 na 1ª volta. Ao chegar aos boxes, Speed se deparou com um irado Franz Tost. Os dois trocaram socos e empurrões, Speed foi aos jornais, disse tudo o que deu na telha e foi, obviamente, demitido. Sebastian Vettel era anunciado como substituto.
Sobre todas essas coincidências, está aquilo que une Vettel a Schumacher pelo laço mais firme: o desempenho maduro e seguro de ambos em pista, desde o começo da carreira. Foi com a firmeza de condução que lhe foi característica durante toda a carreira que Schumacher foi galgando a hierarquia da F-1 até poder disputar o título em 1994. Vettel, talvez, não esteja em tal patamar, e a dúvida nesse ponto refere-se não a sua capacidade pessoal, mas sim à relativa incerteza existente em torno do real potencial do carro de Red Bull. Já existe entre os torcedores uma corrente cada vez mais forte que afirma que, no lugar de Hamilton, Vettel estaria fazendo muito mais.
A maior de todas as coincidências entre Schumacher e Vettel está em suas primeiras vitórias pelas equipes em que eles atingiram o alto do pódio. Schumi conquistou seu primeiro êxito pela Benetton numa corrida em que a chuva marcou presença. Nas primeiras voltas nuvens negras se aproximaram e desabaram sobre Spa. A pista esteve muito molhada até meados da 30ª volta, quando o asfalto começou a secar. Assim que o menor trilho se desenhou no asfalto belga, Schumacher entrou nos boxes para recolocar os pneus de pista seca. Decisão acertada e que lhe valeu a ponta. Quando Mansell, Patrese e CIA resolveram parar, Schumi caminhou para seu primeiro êxito na F-1.
Quatro anos depois, na Espanha, Schumacher conquistaria aquela que ele mesmo considerou sua vitória mais emocionante. Debaixo de uma severa e constante tempestade, Schumacher largava na 3ª posição do grid daquele GP Espanha, agora correndo pela Ferrari e simbolizando a esperança dos tiffosi na reconstrução rossa. Michael larga mal e cai para a 9ª posição. Mas na chuva as deficiências técnicas de um carro podem mais facilmente serem compensadas por um piloto competente, e assim Schumacher o fez. Em 12 voltas o alemão recuperou-se não só a ponto de chegar ao 3º, mas sim ao 1º lugar da prova, posto que não abandonaria mais. Em determinadas passagens, Schumacher chegava a girar 3 segundos mais veloz do que seus companheiros de pista, deixando clara a competência para guiar sobre o piso molhado. Não havia como não ser assim, e Schumacher venceu sua primeira corrida pela Ferrari, numa vitória que foi maior do que ela aparentou ser. Foi o primeiro êxito do recomeço ferrarista sob a batuta do alemão. A equipe italiana ainda levaria 3 anos para proclamar-se campeã de times e 4 para fazer um piloto campeão, mas ali, em Barcelona, estava cravado o símbolo de que a scuderia, finalmente, tinha alguém a quem confiar a reconstrução. Os tiffosi comemoraram a vitória como se fosse a primeira da Ferrari e ao final da prova, Schumacher ouvia, pela primeira de muitas vezes, o hino alemão seguido do hino italiano.
A última vez em que o hino almeão foi sucedido pelo italiano foi no último GP Itália, em 2008. Na ocasião, Vettel venceu uma corrida histórica, cheia de significados. Para começar, o cenário já merece reverências apenas por existir: Monza, palco sagrado da F-1, dos mais tradicionais da história da categoria. Além disso, foi uma das raras ocasiões em que o Grande Prêmio da Itália foi disputado sob chuva, chuva que caiu não só no domingo, mas também no sábado, durante a classificação que premiou Vettel com a pole position, mesmo com todos os grandes pilotos e grandes equipes na pista, sem pitada alguma de sorte, apenas de competência. Sabe como é, debaixo de chuva os talentos são testados em sua real capacidade...
No domingo, aquilo que era impensável aconteceu: Vettel liderou a corrida de ponta a ponta, debaixo de chuva, impecável, perfeito, seguro, sem erros, ao contrário do que seus 21 anos poderiam sugerir. A Toro Rosso, sua equipe, vencia a primeira corrida de sua história, história que não é só sua, mas também da Minardi, equipe sobre a qual a STR se montou e que durante décadas recebeu a pecha de ser a pior da F-1. Toro Rosso, italiana como a Ferrari de Schumacher, em Monza, o mesmo autódromo que presenciou, em 10 de setembro de 2000, a 41ª vitória de Schumacher, que se igualava a Ayrton Senna em número de êxitos. O mesmíssimo cenário no qual, também em 10 de setembro, só que de 2006, Michael Schumacher, 90 vitórias e 68 poles depois, anunciou sua aposentadoria e, por extensão, o fim de uma era.
A primeira vitória da carreira de Vettel e da Toro Rosso foi a corrida mais significativa em anos.
E Vettel parece ter se especializado em vencer na chuva e em dar o primeiro triunfo a equipes. No último domingo marcou a pole no seco e venceu no molhado o ensopado Grande Prêmio da China, a despeito da Brawn, que fizera miséria nas duas primeiras corridas do ano. Foi a primeira vitória da Red Bull, equipe que prometia muita coisa há muito tempo, mas que nunca encontrou alguém em quem confiar.
Nem tudo, entretanto, é parecido nesse filme. Enquanto Schumacher e Vettel se aproximam pela nacionalidade, pelo estilo seguro, pelos começos surpreendentes em equipes pequenas e por dar a seus times vitórias heróicas sob chuva, eles se separam quando a discussão se transfere para o campo da personalidade. Schumacher era distante, talvez um pouco frio, e por isso foi apelidado de robô pela imprensa, sempre ávida por um ídolo simpático. O heptacampeão talvez tenha alterado sua jeito depois de ir para a Ferrari, que lhe emprestou um pouco de calor humano e transformou aquela figura desengonçada num sujeito mais risonho. Vettel, pelo contrário, se mostrou uma figura agradável desde a primeira hora, mas não aquele cara com simpatia forçada, e sim com uma leveza que lhe confere um ar de autenticidade. E é isso, talvez, tudo aquilo que os alemães desejam: depois de um ícone dominador que remodelou a tabela de recordes da F-1 com a frieza de um Kaiser, nada como alguém que também eleve a Germânia ao topo, mas que também os ajude a livrar-se da fama de povo frio e impessoal.
Se Vettel fosse inglês, quantos contratos já não teria assinado... ?
6 comentários:
Ótimo texto e ótima retrospectiva.
Ainda acho cedo comparar Vettel com Schumacher pq o que Michael fez pela Ferrari (e vice-versa) é algo que demorará muito para ser igulado na F1 em termos de consistência.
Talvez o alemãozinho esteja até mais próximo do que imaginamos de seu primeiro título, mas construir um legado como Schumacher, acho muito difícil. As coincidências entre eles existem, mas as circunstâncias são muito diferentes.
É claro que já começa a se tornar "achismo", mas Alonso, Raikkonen, Hamilton e, talvez, Massa e Button, são sim páreo para Vettel até uma prova incontestável em contrário.
Quando Vettel dominar a corrida de ponta a ponta no seco girando mais rápido que os companheiros na pista, a gente vai ter uma noção mais exata de onde fica esse rapaz diante da cúpula estabalecida da F1.
Se fizer isso na Red Bull então, será algo incrível.
Veremos!
Também acho cedo comparar o Vettel com o Schumi, mas o talento dele é incontestável, principalmente na chuva. A segurança que ele passou na China me lembrou o Ayrton, claro, guardada as devidas proporções. Vettel ainda precisa de tempo para amadurecer, mas será campeão um dia.
Gostei muito do texto, Fabio. hehehehe, como sou apressado, comparo ele com o senna, devido as circunstancias das duas primeiras vitórias. Mas, só por isso memso...
Grande texto, irmão! Não sabia das tantas coincidências entre eles. Mas vc tocou num ponto mto importante: Vettel é atirado e carismático, assim abrirá grandes portas pro seu grande futuro. Flws
Tenho uma opinião já um tanto formada sobre Vettel, que não cabe ser revelada aqui - ainda tenho de escolher as palavras certas.
O que Vettel, ao que me parece, tem mais em comum com Schumacher é o fato de ambos estarem condenados a uma carreira de sucesso. Sim, condenados. Algum dia eu explico isso melhor.
Dan e Maulana, acabo concordando com tudo! O texto nem tinha a pretensão de assinalar que o Vettel é o "novo-Schumi", mas eu esperava que soasse assim a alguns ouvidos. Também tenho consciência de que é cedo para dizer qualquer coisa segura sobre Vettel, mas o que ele fez e da forma como fez até aqui já o deixa num patamar acima da média dos novatos, historicamente;
Felipão, sim, também lembrou o Ayrton, e também pensi nisso. Mas o coloquei ao lado do Schumi mais pela nacionalidade dos dois e pela repercussão que Vettel causou na Alemanha;
Maeda, com esse talento e com essa autenticidade, Vettel nasceu no lugar errado. Na Inglaterra (ou no Brasil tmb, pq adoramos nos proclamar os fodões antes da hora) já seria rei;
E Médici, fico aqui no aguardo de suas explicações, caríssimo.
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