Hoje completam-se 15 anos da morte de Senna, em San Marino, na Itália. Sua morte está debutando. Mais do que isso, em 2009 comemoram-se 25 anos do debut do próprio Ayrton, em 1984, na miúda Toleman em que o tricampeão estreou. Há 25 anos o garoto tímido e franzino começava a se transformar no campeão doentia de desesperadamente ávido pela vitória. E a F-1 ganharia seu personagem mais representativo.
Senna colecionou desafetos, comprou brigas, valeu-se da força política de seu nome em determinados momentos e foi traído pelo excesso de confiança em outros. Em 10 anos de F-1 teve tempo de ser perseguido por adversários, que viam nele um rival forte demais, sejam eles outros pilotos ou cartolas como o francês Jean-Marie Balestre, presidente da então FISA. Os boatos sobre sua suposta homossexualidade, levantados por Nelson Piquet aliados à inesquecível desclassificação no GP Japão de 1989, o tornaram figura com fama de vingador, que fez justiça com as próprias mãos em 1990. Curioso notar como o discurso sobre a ética foi abandonado para que aplausos se fizessem. O mundo parecia ter esquecido que a manobra de Ayrton sobre Alain Prost em Suzuka-90 tinha sinais de premeditação. Somente figuras que realmente têm noção de sua força conseguem virar a opinião comum a seu favor. Além de seu espetacular talento dentro das pistas, Ayrton tinha plena consciência da reverberação que seus atos causariam fora dela.
Mas Senna foi muito maior do que sua picuinha com Prost. Foi o cara do GP Mônaco-84, que chegou em 2º tendo partido na 13ª posição, sob chuva. Foi o timoneiro que navegou a Lotus no encharcado circuito de Estoril em 85 para vencer sua primeira corrida com autoridade. Foi o guerreiro que não se deu por vencido quando o motor de sua McLaren apagou na largada de Suzuka-88 e foi buscar a vitória e o primeiro título. Foi o herói do povo que completou o GP Brasil com apenas uma marcha de seu carro funcionando em 1991. Foi o gênio habilidoso que segurou a Williams de outro mundo de Nigel Mansell em Mônaco-92 e deu uma inigualável aula de pilotagem sob chuva em Donington Park em 1993. São inúmeras as lembranças da genialidade de Ayrton. São poucos (eu me arrisco a dizer que é nenhum) os pilotos que possuem uma gama tão vasta de memórias tão fantásticas.
Tudo isso, catapultado pelo ardor midiático, fez de Senna um ícone de grandeza maior do que a própria F-1, em determinados momentos. Pode-se acusar o exagero imagético de várias formas. O que não dá pra fazer é negar que seu objeto de adoração era, realmente, uma figura diferenciada. Senna observou isso naquela que considero sua melhor frase: “não há marketing que sustente um blefe”. Por mais que a massificação de sua imagem o tenha lançado ao panteão dos ídolos que não podem ser criticados, Ayrton Senna realmente pertenceu à classe dos maiores homens em suas respectivas vocações. Senna nasceu para guiar e o fez com maestria. Não há marketing que sustente um blefe – disse o tricampeão. Ayrton, de fato, foi genial.
Senna, óbvio, não foi só perfeição. Foi humano, como a rixa com Prost deixou claro, e também caiu na vala da pirraça. A opinião pública o costuma isentar dessas lembranças. Talvez exista um motivo. Durante a semana misturei Senna, Che Guevara e Jesus Cristo num só balaio de gatos numa caixa de comentários do Cadernos. Difícil encontrar figuras com histórias tão coincidentes de perseguição, glória e ocaso. Perseguidos, os três fizeram de seus perseguidores os algozes. Vencedores, encontraram a glória de serem reconhecidos pela massa idólatra. No fim, tiveram sua expiação transformada em calvário público para entrarem, infalivelmente, na história, e não mais serem esquecidos como símbolos de positividade.
Talvez sua maior vitória tenha sido a garantia da vida de seus pares nos anos subseqüentes ao seu desaparecimento. Sua morte ao vivo causou um impacto que tornou a segurança uma obsessão dos organizadores da F-1. E há 15 anos piloto algum morre numa pista de F-1. Engana-se quem pensa que a categoria não assistiu a acidentes tão graves quanto os de Senna. Alguns até foram piores. Mas o máximo que se viu foram pilotos momentaneamente desacordados.
Ayrton Senna, sobretudo, exprimiu a imagem do cara que nunca desistiu. Sedento por vitórias, sonhou com a Williams que lhe fez inveja em 1992 e 1993. Quando, finalmente, conseguiu sentar-se no cockpit azul não completou uma só corrida. Morreu no carro em que sonhava estar e deixou a F-1 órfã de um herói absoluto. Nesse, e em muitos outros papéis, Senna continua insubstituível. É um cara grande demais para ser analisado por um blogueiro amador de 20 anos. Da mesma forma, é grande demais para que um dia como esse passe em branco.
O erro da Red Bull
-
A Red Bull está numa corrida contra o tempo neste final de semana em Las
Vegas. Por uma razão forte. É que erraram na asa traseira e com a
configuração ...
Há 16 horas
15 comentários:
Senna deixou uma lacuna que ainda não foi preenchida. E ele era um cara que eu desejava ver na Williams,mas ele não conseguiu mostrar seu talento na equipe. Um cara que realente causa comoção até hoje.
e blogueiro amador se for pq não recebe pra escrever, pq na escrita você é profissional!
Marcos Antônio, ele conseguiu três poles seguidas com a Williams. Como isso é não mostrar talento???
Fábio, excelente post e uma análise muito fina sobre o grande campeão.
Realmente, o lado podre de Senna simplesmente deixou de existir depois que ele morreu, mas isso não faz diminuir a grandeza de seu ser que, com defeitos ou não, era imensurável!
Não posso dizer que faço parte dos fãs de Ayrton, antes de tudo amo a F1, porém lhe negar a genialidade e importância seria burrice. E burro eu não sou.
Fabio, quando você juntou Cristo, Che e Senna no mesmo texto, você foi perfeito, afinal mandou três revolucionarios: religioso, esportivo e politico juntos. E olha, cada um dos três, em suas areas fizeram revoluções que perduram até hoje.
Uma menos nobre, menos limpa (Che), mas sem duvidas, os três são icones.
Só um senão... odeio meu nome e você acabou por divulga-lo, mas tá valendo. Acabam esquecendo... Tomara.
Obrigado, Marcão e Dan.
Groo, as semelhahças entre o Ayrton e o Che me chamam mais atenção por serem dois ícones latinoamericanos. É difícil encontrar região do mundo onde o povo seja tão carente de mitos e onde o endeusamento se dê de forma tão impressionante. A América Latina não se esquece de quem lhe trás boas recordações.
Eu peço desculpas pelo episódio do seu nome. Como é que eu ia saber, pô?!
Reforço as palavras do Marcão.
Fábio, os grandes momentos do Senna são inúmeros, como você descreveu, e marcaram a F-1. É um grande ícone desse esporte e a tragédia de Ímola só ajudou a sua mitificação. Não há como deixar de lembrar a cada primeiro de maio que passa, independente de o cara gostar ou não do Senna.
Queria saber se os japoneses sempre relembram a data também, afinal eles eram fanáticos pelo Ayrton assim como muitos brasileiros por aí.
Lembro como se fosse hoje daquela corrida, Eu mulekinho ainda...
Foi um baque mtttt grande, que só fui sentir outro igual(nesse sentido de falecimento de alguem da "midia") quando os Mamonas morreram em 96 !!! ;/
Vlw fabão !!! Beleza de post !!!
E quem sabe migro pro blogspot mesmo !!!
Abrçs.
"Talvez sua maior vitória tenha sido a garantia da vida de seus pares nos anos subseqüentes ao seu desaparecimento. Sua morte ao vivo causou um impacto que tornou a segurança uma obsessão dos organizadores da F-1."
Concordo plenamente com vc. E, se ele não tivesse morrido, teria saído do carro e levantado algumas banderias, revolucionário que era.
Talvez, as mudanças teriam acontecido em torno da promoção do espetáculo e não na nova F1, em que se há muito espaço para errar...
Sua comparação entre Jesus, Che e Senna é bastante pertinente. Mas se Jesus teve São Paulo e Che teve Alberto Korda, Senna teria a rede Globo?
Não se preocupe com a sua pouca idade, é importante levantar esse tipo de questões. O tempo vai nos ajudar a responder.
Maciel, é curioso imaginar se a data também é lembrada no Japão. Há no Youtube um vídeo em que os jornalistas nipônicos mal conseguem se segurar ao dar a notícia do falecimento do Ayrton. Se havia um lugar em que ele era tão reconhecido como no Brasil, esse lugar era o Japão.
Chuck"Diego", valeu pela presença, brother!
É, Felipão, se o Ayrton tivesse saído vivo dali, imaginar o que ele teria feito é um belo exercício de abstração. Talvez ele se tornasse partidário da volta dos recursos tecnológicos como forma de tornar os carros menos ariscos. Ou entrasse pra valer numa campanha anti-SC. Quem sabe?
Pois é, Médici. Taí mais uma semelhança. É difícil dizer com segurança que a Globo "montou" Ayrton. Afirmar isso com 100% de certeza é correr um risco muito grande porque Senna foi um personagem muito complexo, que se projetou para muito além do automobilismo. Mas a Globo, inegavelmente, foi a porta-voz da propagação da fé em Senna.
Fábio:
Quando "alguém sai desta Terra num carro de corridas" (uma frase feliz do "speaker" de Indianápolis depois de um acidente mortal em 1964), todos os defeitos são automáticamente eliminados. É como uma eleição automática para Santo.
De facto, numa altura em que tudo dava errado no Brasil, até na Selecção de futebol, Senna era o tal "farol de esperança" no ego nacionalista. A unica chance em que o brasileiro poderia andar de cabeça erguida e dizer que tinha orgulho de ser do mesmo país de Ayrton Senna.
Coimcidência ou não, Senna morre quase dois meses antes do Brasil conseguir o "tetra" e de domar o "dragão" da inflação, com o Plano Real. Esse ano de 1994 foi marcante em imensos aspectos no Brasil, bem vistas as coisas.
E agora, 15 anos depois, o Brasil orgulha-se de ser aquilo que é, em muitas áreas, mas há muito mais para fazer. Mas avançou muito durante esse tempo. Conquistou mais um título no futebol, tornou-se auto-suficiente em petróleo, elegeu Lula (quem diria!) e tornou-se num país respeitado na cena mundial. Não é uma volta de 180 graus, mas não anda muito longe...
Eita, Speeder, há quanto tempo que não te vejo por aqui.
Vamos lá: é fato, Ayrton foi durante anos uma das poucas (senão a única) fonte de orgulho do brasileiro. Falei a respeito disso de forma mais profunda nesse post: http://deolhonaf1.blogspot.com/2009/03/rubens-barrichello-e-um-pedido.html
Hoje é realmente difícil imaginar que houvesse um ídolo como o Ayrton. O país recuperou o prumo, pelo menos no âmbito econômico. No social as coisas também vão melhorando, o poder de compra do trabalhador e da classe D e E anda bem mais turbinado, ainda que pairem críticas quanto ao modo como isso está sendo feito. Também já tratei disso aqui: http://deolhonaf1.blogspot.com/2008/11/especial-gua-fervente.html
A política ainda continua a ser nossa fonte diária de irritações. Segurança, saúde e educação públicas ainda patinam. Mas de forma geral, a situação é melhor do que há 15 anos, mesmo que longe de ser boa. E mesmo assim, com tantas mudanças, Ayrton continua ídolo. É uma imagem com uma força descomunal. Além de morrer num carro de corrida, Ayrton carrega consigo o trunfo de ter sido, durante uma década, o doril do povo, que o ingeria em doses cavalares a cada vez que a decepção se tornava insustentável.
Como já ficou claro, é uma figrua muito grande e com sombras que ecoam por meios muitos mais complexos dos que o do esporte a motor. Senna é assustadoramente grande para ser debatido em sua totalidade num simples blog. É assunto pra semanas!
Contente de te ver aqui, volte mais, Portuga!
Estou chegando atrasado aki no post, mas vamos lá. É um belo texto Fábio e eu sou mais um dakeles que se lembra bem de toda cena, parecendo que foi ontem. Na vdd, quem não esqueceria?
Posso comparar este fato com o 11 de Setembro. Qq um que vc pergunte: onde vc estava no 11 de setembro? ela te dirá onde estava e o q fazia nakele instante. O dia 01/05/1994 é a mesma coisa. Ficou marcado demais na memória até pelos fatores míticos, marketeiros ou mesmo (e o que mais acredito) a paixão que tínhamos pelo nosso ídolo. Todos falaram bem, num tempo em que ele era a única figura brasileira que nos dava orgulho de sermos brasileiros, foi a chama que se foi, mas que sempre estará acesa dentro de cada um de nós.
Foi sim o fato mais marcante em anos, Maeda.
Senna significava muito, por isso marcou tanto. Eu era muito novo, não me lembro, mas todos com quem converso se recordam. Muitos me dizem que foi como perder um parente!
Fábio,
Eu não conhecia seu Blog.
Inclui este post "O Dia de Hoje" numa lista que fiz sobre artigos relativos ao Dia 1o. de Maio.
"SENNA ONBOARD e na BLOGOSFERA: Guia dos Posts sobre AYRTON *(atualizado)"
http://henrychannel.blogspot.com/2009/04/senna-monaco-parabens-blog-mil-por-hora.html
Um abraço,
Henry
Postar um comentário