domingo, 3 de maio de 2009

A Tentação de Fazer o Mais Fácil

Apesar de não ter me interessado muito quando soube da entrevista nas chamadas da Globo, parei para assistir ao Na Estrada, quadro do Esporte Espetacular comandado por Galvão Bueno. O convidado de hoje foi Rubens Barrichello.




Uma entrevista num tom intimista, com a presença da família, algo quase agradável. Quase se Rubinho não continuasse com a mania de se portar como vítima de uma terrível teoria da conspiração em que ele sempre é inocente.

Não é pancadaria gratuita contra Barrichello. É apenas uma chamada à realidade.

Para começar, preciso dizer que eu e Rubinho nos aproximamos na superficialidade. Enquanto eu via o início da matéria, me escandalizei com a beleza e o luxo de seu sítio no interior do estado de São Paulo. “Não é ídolo mas fez a vida”, pensei, numa babaquice que me revoltou instantaneamente. Claro que sim, Rubinho usufrui de um excelente nível de vida. Ou eu queria que ele tivesse vergonha de ser rico? Claro que não, Barrichello tem o nível de vida que sua profissão lhe proporciona e, até onde se sabe, prosperou de forma decente e honesta. Justíssimo! Me desculpei intimamente pelo pensamento raso. Coisa de latinoamericano estigmatizado pela patrulha esquerdista que nos rodeia, especialmente no meio acadêmico. Gostaria então que Rubinho também fizesse uma reflexão mental de (pelo menos) duas passagens muito inapropriadas em sua fala:

- “Ele [Michael Schumacher] faria qualquer coisa para ser campeão. Eu faço quase tudo para ser campeão, mas não o que ele faria”.


Essa é clássica e talvez seja a grande diferença entre um piloto bom, caso de Rubinho, e um que se coloque acima da média, caso de Schumacher. O piloto acima da média tem mesmo de querer fazer tudo para ser campeão, e desestabilizar os companheiros de equipe está dentro do pacote. Ser intransigente a ponto de considerar-se o dono do mundo foi um traço de personalidade observado em muitos dos maiores pilotos da história. Ayrton Senna e Nelson Piquet foram mestres em fazer isso e são heróis. Schumacher é vilão, só por não ser brasileiro? Ou seria só por que sua intransigência emudeceu a exuberante capacidade de um brasileiro?

Seria interessante largar o maniqueísmo barato e partir para a realidade, Mr. Rubens. Não há cordeiros na F-1, só lobos. Se deseja um ambiente lúdico e inocente, o mais recomendado é um campeonato de Gran Turismo na categoria infantil. Assim como é muito fácil para Galvão Bueno fazer uma reportagem em tom de absolvição, também é mais cômodo ser a eterna vítima. É mais cômodo, mas nem sempre mais condizente com a realidade.

- “Quando eles [Ralf e Michael Schumacher, em 2003] perderam a mãe e eu fiquei atrás dos dois em Ímola, vi eles disputando uma freada, batendo rodas (...) aquilo pra mim não caiu muito bem”.

Eu não sei qual é o nível cultural de Rubens Barrichello. Desconheço o que ele tem como verdade em seu entendimento de mundo. Mas me parece algo universal e comum a todos os seres humanos que julgar uma pessoa por um ato isolado é um tremendo pecado. Não no sentido cristão-apostólico do ato, mas sim no da honestidade necessária a toda relação interpessoal.

É possível rotular os Schumacher como frios e insensíveis tendo como base os acontecimentos de Ímola-03? Sim e não. Depende do objetivo de quem fala.

Alicia Klein, nas páginas 230 e 231 de A Máquina, me ajuda a explicar:

O episódio da morte da mãe de Schumacher, em 20 de abril de 2003, reforça a idéia de robô de coração gelado. A imagem do homem caloroso começava a se fixar no senso comum, até que a decisão – sua e do irmão Ralf – de disputar uma prova seguida à notícia do falecimento de Elisabeth Schumacher pôs tudo a perder. Em sinal de luto, Michael correu com uma faixa negra no braço e Ralf com o capacete pintado de preto.

Mas se ambos optaram por correr, isso não explicaria alguma coisa sobre a família? Rolf, o pai, separara-se da mulher seis anos antes para se casar com uma jovem senhora. "Meus pais se mataram de trabalhar dia e noite, durante a vida inteira", conta Michael. "Quando não precisaram mais e finalmente tiveram tempo para si, aí perceberam que na verdade não tinham absolutamente nada em comum". A partir daí, Elisabeth mergulhou de vez suas mágoas na bebida, falecendo em decorrência de uma cirrose hepática causada pelo alcoolismo. Afinal, quem pode julgar o que se passa na casa alheia, como cada um reage a determinadas situações, o que sente uma pessoa ao saber da morte de um ente querido? É certamente difícil compreender que Michael não só tenha participado daquele GP de San Marino, como o tenha vencido; sua formação cultural, nacional, emocional, familiar, entretanto, não pode ser colocada de lado para simples e superficialmente taxá-lo de insensível.

A reação da imprensa e de personalidades alemãs ao fato esclarece um pouco o comportamento desse povo. "Eu respeito a decisão. Claro que não foi fácil para eles tomá-la", revelou Rudi Voller, à época técnico da seleção de futebol da Alemanha. "Cada um deve ver por si. Agora uma coisa é certa: um piloto de Fórmula-1 tem de ser julgado por outros critérios. São pessoas excepcionais, que em uma situação excepcional se comportam de modo totalmente diverso da gente", argumentou o então presidente do Bayern de Munique e ídolo tedesco, Franz Beckenbauer. O periódico Suddeutsche Zeitung ressaltou: "o carro é um refúgio. O lugar de trabalho onde dominam as regras e a rotina, onde as pessoas se sentem bem em momentos difíceis". Frankfurter Allgemeine Zeitung: "Onde um piloto de F1 encontra sua tranqulidade? No carro de corrida. Eles fugiram, antes de serem confrontados com perguntas do tipo ‘como podem se concentrar?’ A participação dos irmãos mostrou onde um piloto se sente mais seguro em um dia tão horrível". O berlinense B.Z. engrossou o coro: "Os Schummies pareciam ter entrado no carro para fugir".


Ou seja, é muito fácil taxar os Schumacher’s de insensíveis por um fato como esse. Dependendo das intenções de que o faz, os irmãos alemães podem ganhar contornos de novos Hitler’s. É exagero, mas num caso desses é mais fácil exagerar do que se prender aos fatos.

É preciso tomar cuidado com a tentação do caminho mais fácil. Não sou advogado da família Schumacher nem odeio Rubinho a ponto de desclassificar tudo o que sai de sua boca. Só enxergo falta de responsabilidade da parte de Barrichello ao dar determinadas declarações. É preciso ser responsável e pesar as palavras antes de ir para frente de uma câmera da maior audiência do país. Cobro, intimamente, essa responsabilidade do William Bonner, do Cid Moreira ou do Galvão Bueno, quando esse se põe a usar eufemismos para relativizar o mau desempenho dos brasileiros e supervaloriza as vitórias. É preciso cuidado ao falar com milhões de pessoas via tela da tv. Especialmente quando o raciocínio usado possui a profundidade de um pires.

11 comentários:

Felipão disse...

é sempre a mesma pasmaceira... e pelo jeito, o livro dele não saira nunca. Ja comecaram as desculpas, inclusive...

DGF disse...

Ah Rubinho, o piloto mais experiente da F1 continua com a "rationale" de uma criança de 10 anos.

Eu só lamento por ele. Espero de verdade que nesta temporada ele prove, mais a si mesmo do que a todos nós, que tem um campeão dentro dele.

Mas a Brawn GP, uma das equipes mais dominantes em início de temporada dos últimos 20 anos, está provando DE UMA VEZ POR TODAS, de forma pragmática e cartesiana, que Rubens não nasceu para ser campeão mundial de F1.

Daniel Médici disse...

Não vi a entrevista. Sobre o livro da Alicia Klein, acho ele um grande desserviço à carreira de Schumacher, pois ela começa a escrever o texto com uma opinião já formada, e todo exercício de escrita e apuração é não mais do que a tentativa de confirmação da hipótese uma vez lançada. Um bom jornalista sai às ruas com dúvidas na cabeça, não certezas.

No fim, ela cumpre seu papel de inverter o sinal que Schumacher supostamente teria na opinião publica brasileira, mas ele continua um personagem plano, intranspassado, inverossímil.

Se Barrichello se rebaixou a este mesmo ponto (com os sinais inversos ao texto de Alicia Klein, óbvio), como você aponta, então ele fez um desserviço a sua própria imagem.

Daniel Médici disse...

Quanto à questão da riqueza, acho que talvez subsista sim um preconceito ou uma patrulha da esquerda nos círculos acadêmicos (mas não devemos generalizar).

A questão, porém, acho que ela é mais ampla. Acho lícito questionar o uso que a elite da nossa sociedade faz do poder aquisitivo dela. Ela investe em bens culturais? Na reflexão sobre o stablishment? Na construção de modelos sócio-culturais? Ela dimensiona politicamente seus atos?

Aqui cabe uma certa exceção aos Moreira Salles (não tenho vículos com o Unibanco, se alguém perguntar).

Mas o que eu vejo é a elite gastando mais em bens de consumo (vide Daslu) e com preocupações patológicas pela ostentação do que indo a museus. Isso me parece realmente preocupante.

(Não julgo o Rubinho, contudo. Estou falando de um ponto de vista geral, as decisões que ele toma em seu íntimo não me compete julgar).

Fábio Andrade disse...

Dan, me parece factual. O cara continua a pensar como no início de carreira e a sempre ser o mocinho de seus problemas. Não torço nem contra nem a favor e, no fundo, quero que, um dia, ele me faça pagar a língua um dia. Apesar de tudo, tenho um certo "carinho" pela figura dele.

Médici, vamos lá. O livro é, de fato, meio coisa de tiete. Foi essa a impressão que tive ao terminar de ler. Mas não tira o mérito da dúvida: os Schumacher's podem ser simplesmente classificados como frios os insensíveis apenas por correrem um dia após a notícia da morte da mãe? Acho que essa passagem específica do texto da Alícia é bem pertinente nesse ponto.

Mas não deixo de me questionar sobre o que vc disse, e me questionei a respeito disso enquanto redigia: assim como Barrichello foi raso em muitos de seus julgamentos, a Alicia também foi em inúmeros pontos do livro.

Quanto à questão da riqeuza. Hummmnn. Acho que a partir do momento em que o cara tem o dinheiro, faz com ele o que quer. Compra um carro, uma casa, ateia fogo, joga na privada, enfim, tem o tal do livre-arbítrio. Mas os pontos levantados por você são interessantes.

Até que ponto aqueles que se consideram aristocráticos (no sentido etmológico da coisa, que remete à Civilização Grega, onde aristói significava "os melhores") realmente fazem questão de o ser quando têm possibilidade? Ou será que eles fazem questão apenas de parece ser?

Discussão para dias inteiros. Ou não, se começarmos a olhar colunas sociais.

Ron Groo disse...

Traduzindo: 1B é boquirroto, fala demais sempre.

O que me irritou na entrevista, que como você também não me interessava mas acabei assistindo, foi o tom sonhador, os olhos perdidos no horizonte quando disse que ainda seria campeão do mundo.
Juro, quase que grito: -Então vai fdp, ganha logo esta p.rra e some de uma vez!

E Felipão, o livro dele sai sim... Mas só depois que o alemão lançar o dele.

Marcos Antonio disse...

o que mais me irritou foi quando barrichello disse que só falava que era amigo do schumacher pra fazer média,na equipe. Isso mostra o quanto ele era um capacho e se sujeitava tranquilamente a isso. Por isso Barrichello vai sempre falar,falar, e só os trouxas vão acreditar,inclusive ele,que com certeza acredit ano que fala!

Daniel Médici disse...

Ah, sim, só pra deixar claro que concordo com você. Os irmão Schumacher não podem ser considerados insensíveis por correrem após a morte da mãe. É uma decisão pessoal, tem de ser respeitada, e se o Barrichello não entendeu isso, ele não entendeu Schumacher.

Ingryd disse...

Bem, acho que todo mundo acaba sendo meio parcial na hora de julgar, eu por exemplo achei a materia muito legal (inclusive o filho mais novo [e a coisa mais fofa) e n'ao vi nada que me incomodasse de verdade.
Acho que se dizer de amigo do schumacher foi inteligente, para nao criar um mal estar, melhor ter um falso amigo no esporte, do que um inimigo declarado, seja dentro da mesma equipe ou não.
Não achei a casa tão luxuosa não, inclusive, a primeira coisa que pensei qd vi as imagens foi "que lugar lindo, grande, mas muito simples, minimalista e aconchegante" não vi nada que fosse ostentador.
Não acho que pra ser campeao, precisa-se ser inescrupuloso, a nao ser que vc queira "esmagar" os competidores como fez schumi, Lewis foi campeao, e massa quase no ultimo ano, sem precisar ser desleal, e isso nao diminui a gloria ou o talento de nem um dos dois.
que nem Michael gostava de Ralf e vice-versa, isso todo o mundo sabe, e acredito que o que rubens disse nao foi o fato de correr, e sim, a falta de "carinho" que um tinha pelo outro, disputar posições, brigar por uma vitoria, como irmãos, dentro da pista, nao vejo o minimo problema, mas o fazer como se a vida dependesse disso, tocar roda e tudo mais, rubens tem todo o direito de nao achar aquilo legal, dá pra ver pelo video que ele é sim um pai muito carinhoso, sempre se mostrou um filho e um neto tao carinhoso quanto, nao é de se espantar que ache estranho a relação entre os dois pilotos irmãos.
acho que tudo que ele falou é questao de opiniao, e nao dá pra julgar toda a carreira de rubens com base no que ele julga ser correto ou não.

Fábio Andrade disse...

Ingryd, de certa forma concordo com você em algumas partes.

Eu também acho injusto julgar toda uma carreira por uma entrevista como essa. O problema é que acompanhei boa parte da carreira do Rubinho de perto, e como fã até bem pouco tempo. E analisando friamente, Barrichello sempre se mostrou atrapalhado com as palavras, isso é fato reconhecido. Até mesmo por estar sempre na linha de tiro, disposto a falar sobre tudo o que lhe era perguntado.

Portanto o julgamento que faço não é baseado apenas no que ele diz na entrevista. É uma tendência de anos e anos que o Rubinho possui de falar algumas coisas que ele deveria guardar para si, até mesmo para não criar falsas expectativas.

A coisa toda do achar pertinente ou não ele dizer que não é amigo do Schumacher me parece secundária.

E quanto ao relacionamento entre companheiros de equipe, também sou contra qualquer grau de falta de escrúpulos, em qualquer área. O que acho é que o cara, para ser campeão, precisa primeiro derrotar o companheiro de equipe. É um cânone quase sagrado da F-1. Abalos psicológicos de toda ordem influem nessa hora e muitos campeões se utilizaram desse expediente. Hoje, talvez, seja coisa em desuso, mas foi muito comum há 20 ou 30 anos atrás. E acho válido. Competição entre profissionais de alto nível costumam envolver esse tipo de comportamento.

Quanto à questão Ralf X Schumi eu penso o seguinte: F-1 é risco 100% do tempo. Ainda que a máxima acima não se aplique ao automobilismo hopocondríaco de hoje, ela ainda vale a pena. E se é 100%, tem de ser brigado. Penso que os pilotos estão ali fazendo aquilo que os sustenta, então, é preciso levar uma disputa às últimas conseqüências, claro, desde que não se ultrapasse o limite ético do esporte e do cuidado com a vida do outro piloto. É uma opinião bastante pessoal, mas acho que não dá pra existir "carinho" numa hora dessas.

Pra finalizar, não me resta dúvidas quanto ao marido e pai dedicado que Rubinho parece ser. É um cara que sempre me pareceu ser um profissional capaz e uma pessoa boa de se conviver. Posso dizer que fui fã dele até pouco tempo atrás. Hoje acho que não me encaixo mais nesse perfil, mas ainda o acho um grande profissional. Não que ele precise da minha opinião, afinal Ross Brawn deve entender muito mais de automobilismo do que eu e confiou uma vaga em sua equipe ao Rubinho. Só acho que ele peca por falar quando poderia ficar calado.

Desculpe, pelo texto enoooorme, mas quis me certificar que não ficaria nenhum mal entendido, ok?

Bruno Aleixo disse...

Destaco ainda o momento em que ele diz que não sabe mais se escreverá um livro sobre sua passagem na Ferrari para não prejudicar uma possível carreira do filho, no automobilismo. Incrível.

Aliás, o que Rubens pretendia colocar mesmo nesse tal livro? Que a Ferrari o sabotou? Que Schumacher colocava tachinhas em seu assento, antes dos GP's? Que Jean Todt pôs sonífero em seu líquido energético, para impedir suas investidas contra o alemão?

Na verdade, o ideal seria que ele escrevesse o que realmente aconteceu naqueles seis anos: que ele correu com o melhor carro da F1, tendo como companheiro um dos melhores pilotos da história e que, neste contexto, conseguiu sim bons resultados. Nada mais que isso.